Antonio Mário Bastos
Sou vacinado, essa minina!
Eleições Municipais. Estamos em qualquer ano do Século XX, no Município de Ora Veja, Estado Federado de Monte Cristo, da Nação Sertaneja.
Chegara o momento de definir a escolha de candidatos a Prefeito e a Vereadores nas hostes do Partido da Ganância Caatingueira - PGC.
Miguel Olho de Gato, homem querido e respeitado no Povoado de Pisadinha, aceitara enfrentar as urnas naquela eleição; não que ele quisesse, mas por decisão plebicitária e irreversível do povo do lugar.
Para isso, fizeram reunião no povoado para votação — não obrigatória — porque havia imposição dos pisadenses, seus conterrâneos, seguidores e admiradores, de que ele fosse o candidato a vereador naquelas eleições.
— Miguel, agora tem que ser você, seu Ôio de Gato; chega desse negócio de tá votando nesse povo lá da rua, só porque João Vermêio indica e pronto. Ora bolas, a gente fica aqui votando, de cabeça baixa e sem questionar, em qualquer fidiDeus que a gente nunca ouviu falar e nem conhece. Isso tem que acabar, aliás, acabou. O candidato é você e tamo intindido, tá uvino?!
Reunião terminada, Miguel Olho de Gato, ainda um pouco atordoado, se dirigira aos presentes.
— Meu povo, eu vou ter que dá conhecimento do ocorrido aqui hoje ao meu chefe político e aguardar a decisão dele. Afinal se trata de uma amizade e parceria de muitos anos e que vem desde os tempos do meu avô; mas vou logo dizendo a ele que a decisão foi de vocês e não minha pessoalmente.
— Seu João, dessa vez o Povoado de Pisadinha não quer votar no candidato a vereador que o sinhô indicar, infelizmente. Mas fique tranquilo, todos de lá querem e vão votar no seu candidato a Prefeito, pode confiar. Fizeram uma reunião lá e me escolheram como candidato a vereador, quer o sinhô queira quer não.
— Veja bem, Olho de Gato, eu não tenho como lhe ajudar em outro povoado nem aqui na sede. Mas, os eleitores que me procurarem e me pedirem um vereador, não me furto a indicar o seu número, pode confiar; mas não espere que eu exija do eleitor votar em você. Você me conhece, a gente lida com política há mais de trinta anos e nunca lhe dei lugar a desconfiar de mim.
Aproveite e agradeça ao nosso povo de Pisadinha pela confiança que sempre tiveram em mim, diga a todos que estou feliz e parabenizo a todos pela decisão que eles tomaram, ordeira e democraticamente.
— Tudo bem, seu João. Tudo bem! Não é por isso que nossa amizade vai acabar, de jeito e qualidade. Nossa amizade vem do tempo do meu avô, que foi amigo de seu pai, e vamicê sabe muito bem disso.
Era chegado o momento das Convenções Municipais.
Miguel Olho de Gato fora ao encontro dos dirigentes do seu Partido.
O presidente da legenda, orientou-o a procurar, em seu nome, a secretária administrativa do Partido, uma moçoila elegante, inteligente e conhecida pelo apelido de Maria Bolo Quente.
Maria Bolo Quente, mocinha educada, sempre solícita, atendera ao postulante à candidatura de vereador.
— Se o senhor vem em nome do presidente do nosso partido é porque tem bala da agulha, e, com certeza, será um candidato forte nessas eleições.
Preenchera a ficha de candidatos, pacientemente; pedira os documentos exigidos, anotara todos, marcando com um xis todos os quadrinhos das perguntas às respostas do pretenso candidato.
Para concluir a ficha, e preencher um dos últimos campos da mesma, perguntara a Miguel Olho de Gato:
— Seu Miguel, o senhor é alfabetizado?
— Minha filha, com todo respeito que as a senhorinha merece, se eu tomei essa vacina eu era muito pequeno; como é que agora vou lembrar?

Olha dona minina, mãinha morreu já faz mais de trinta anos, não deixou nada escrito na caderneta sobre isso. O melhor mesmo é vamicê escrever aí que tenho todas as vacinas e pronto.
Se o partido, você, o promotor ou o juiz quiser saber, é só perguntar a seu João Vermêio que ele sabe de tudo isso lá de casa; era ele que levava as infermêra lá na casa do meu pai pra vacinar a gente.
— Então, seu Miguel, o senhor é alfabetizado ou não?
Olha, se o senhor não for alfabetizado vai ter que fazer a prova, lá no Fórum, para saber se é aprovado para ser candidato.
— Como assim prova?! Eu estudei na Escola Rural até o quarto ano primário e fiz todas as provas e passei em todas elas. Se bem que foi arrastado, não nego; as notas nunca foram maiores que cinco não, mas deram pra passar de ano.
— Mas seu Miguel, é exigência das leis das eleições; eu não estou inventando nada aqui não. É preciso que o senhor me confirme, aqui na presença dessas testemunhas, se o senhor é ou não alfabetizado.
— Dona minina, eu já lhe disse. Se eu tomei essa vacina eu era muito pequeno e não tem como lembrar. Bote aí que já tenho essa vacina e pronto!