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Cumprindo a ordem da autoridade

  • Foto do escritor: Antonio Mário Bastos
    Antonio Mário Bastos
  • 16 de fev.
  • 4 min de leitura

Cumprindo a ordem da autoridade

 

Estudei num Ginásio que tinha como mantenedores uma entidade denominada, à época, Campanha Nacional de Escolas Gratuitas (CNEG), associada aos pais dos alunos — aqueles que podiam dispender algum valor, por menor que fosse —, e, principalmente, pelo Poder Público Municipal, sob a forma de subsídios voluntários.

Pode lhes parecer estranho, mas aquele ginásio fora concebido e fundado — lá pela década de 1960, no sertão baiano — por um homem de pouquíssimas letras, semialfabetizado, obviamente que assessorado por uma gama de amigos, alguns letrados outros não, desde autodidatas, professores, doutores e o sacerdote do lugar.

Na grade curricular contávamos com a matéria Instrução Moral e Cívica e, no seu conteúdo, com lições de bons modos ou boas maneiras, digamos assim. Titular da cadeira desta matéria a Professora Maria de Lourdes Ferreira da Silva — Morenita na família e D. Morena na sociedade inteira — formada entre as décadas de 1930/1940 no antigo Instituto Normal da Bahia, hoje Instituto Central de Educação Isaias Alves (ICEIA), em Salvador.


Lembro bem que D. Morena, nas suas explanações, sempre nos mostrava os direitos e deveres de cidadania e de civilidade, os bons modos e o respeito ao seu semelhante:

— meus filhos, ordem de autoridade é para ser cumprida, ser respeitada. Ainda que alguns de vocês não concordem com a ordem, ela partiu de uma autoridade constituída e deve ser cumprida, observada na sua inteireza.

Ao se sentarem, mantenham as pernas alinhadas, a coluna ereta e apoiada no espaldar da cadeira, olhando sempre para frente.

Se estiver sentado em um ambiente onde todos os assentos já estejam utilizados e chegar uma pessoa mais velha que você, levante-se e ofereça o seu lugar a essa pessoa.

Foram estas e muitas outras lições que aprendi e delas faço uso até hoje.

Pois bem, esta breve introdução é para lhes dizer da minha obediência à “ordem” do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, lançada num vídeo recente, que diz “Se você vai no supermercado aí em Salvador e você desconfia que tal produto tá caro, você não compra....” (sic)

Pensei demoradamente, reordenei minhas preferências, e passei a cumprir a ordem presidencial, e,

como o valor da água está pela hora da morte, principalmente se você ultrapassar a metragem cúbica mínima mensal, estou tomando somente o chamado e fartamente conhecido “banho de asseio” utilizando míseros dois litrinhos d’água — até trouxe lá da roça a minha gamela de mulungu para este rito matinal —; o asseio bucal: somente uma vez ao dia e com duzentos mililitros de água. Por conta disso, estou descumprindo uma outra ordem — a do médico. Este prescrevera a ingestão diária de, no mínimo, dois litros d’água. Passei a ingerir um copo de duzentos mililitros pela manhã, para deglutir as pílulas matinais e outros duzentos pela noite, para as noturnas.

Os preços da energia elétrica não estão de brincadeira, é bandeira de toda cor acrescendo valores ao faturamento mensal, então estamos assistindo televisão na sala com as luzes desligadas e só as acendemos para necessidades inadiáveis. Embora o calor esteja intenso, quase insuportável, não ousamos utilizar ventiladores, tampouco ar condicionado. Comprei dois abanos de palha de licurizeiro na feira livre e estamos nos valendo deles para afastar o calor.

No quesito mais sensível, a alimentação, adotamos comer só de garfo e daqueles utilizados na etiqueta civilizada para doces, nada de facas. Utilizamos um só prato e dividimos a comida ao meio, geralmente trezentos gramas ao todo, e, para não ter reclamação, traçamos uma linha reta separadora de beira a beira do prato.

Tivemos que abdicar do fio dental — que nosso dentista não leia este texto — e voltamos ao antigo e clássico uso do palito. Estamos quebrando o palito ao meio e cada qual faz uso de um lado.

Desistimos do café da manhã e do noturno. Para substituir estes cafés, eu trouxe uma porção de fedegoso, já torrado — tem muito deste arbusto na minha roça — e o adotamos como bebida matinal e noturna.

Merenda, nem pensar; além de contra indicado para pessoas acima do peso, passou a ser um item supérfluo — devia ser taxado com a chamada alíquota do mal ( correspondente a 28% do PIB), como dizem alguns analistas de economia e tributação.

No quesito lazer, fizemos um pacto de preferências: cinema, shows, festas, etc., nem pensar. Adotamos escolher, democraticamente, uma película nessas empresas de streamings e assistimos todos ao mesmo tempo. Se algum de nós tiver necessidade de se ausentar da frente do aparelho de televisão, deverá ser parada a exibição até sua volta. Escutamos a mesma música que se adeque ao preferido por todos, etc. e tal. Decidimos que noticiário somente pelas redes sociais, porém adotamos o máximo de cuidado para não sermos ludibriados pelas chamadas “fake news”, estas são consideradas um perigo enorme.

Bem, quanto ao item saúde, não lhes nego, eu mesmo já visitei Dona Frebônia, rezadeira velha lá no meu interior, por mais de uma dúzia de vezes. Os ramos que ela utilizou para me rezar ficaram tão murchos, mas tão murchos, que pareciam folhas já desidratadas, quase secas mesmo. Mas que foi uma reza porreta foi, viu; de trinta, providencial e eficiente. Fato é que, nunca mais tive constipação, dor de ventosidade, difruço, espinhela caída, até olhado a rezadeira disse que mandou ir embora. Diz ela que era olhado de umas artistas da televisão, quando a gente estava assistindo filme, olhando muito mais para quem estava ao meu lado de que pra mim, mas pegou em mim assim mesmo.

Seguirei obedecendo à ordem emanada da autoridade executiva maior do país, mas tenham por certo que, aos poucos, irei adequando cada preferência pessoal, abdicando de comprar produtos caros, e, ainda, para que não me responsabilizem pela alta da inflação em nosso amado Brasil.

Cumpra-se!

Cumpri, estou cumprindo!

Que me perdoem os senhores comerciantes de alimentos e utilidades!

Tonho do Paiaiá, cumprindo ordens.

Salvador, Bahia, 8 de fevereiro de 2025

Imagem: Colagem de Capas de Livros sobre Educação Moral e Cívica

 
 
 

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