O cinema na velha Natuba e a abnegação de um cinéfilo empreendedor — Chico de Agnelo

O cinema na velha Natuba e a abnegação de um cinéfilo empreendedor — Chico de Agnelo

Devemos, nossa geração, a Chico de Agnelo — Francisco Dantas Couto — a alegria das sessões de cinema exibidas no Mercado Municipal.

Ele, Chico, era muito mais um entusiasta que um empresário da exibição de filmes.

Chico, o mecânico

Chico também era um exímio mecânico de motores estacionários ou veiculares, além de qualquer equipamento que lhe levassem a avaliar para um possível conserto. Contam que um veranista, das águas termais de Cipó, tivera necessidade de atendimento odontológico em Nova Soure com o Dr Carmo Biscarde Filho e, a ele, fizera queixas sobre o sistema da caixa de mudanças do seu automóvel Vemaguet — um automóvel brasileiro produzido pela Vemag, sob licença da fábrica alemã DKW, de 1958 a 1967 — estava, no jargão mecânico, “encavalando” as marchas e não havia achado um mecânico para lhe socorrer. O Dr Carminho, como é carinhosamente conhecido na nossa sociedade, providenciara a ida de Chico de Agnelo ao seu consultório para conversar com o proprietário de automóvel.

Chico, após ouvir todas as lamúrias do proprietário, pedira que lhe fosse consentido levar o automóvel à sua oficina, para “dar uma olhada no que poderia fazer”, o que fora prontamente concordado, sob a garantia de Dr Carminho, obviamente, já que aquele veranista não conhecia o Chico.

Enquanto o veranista era atendido pelo cirurgião dentista, Chico se debruçava sobre a falha apresentada na caixa de mudanças do automóvel. Passadas algumas horas, Chico retornara com o veículo devidamente consertado e fizera as explicações do que estava ocorrendo com a caixa de marchas.

Contam, ainda, que o proprietário, encantado com o atendimento e com a solução, propusera a Chico levá-lo até o fabricante daquela marca de automóvel para que lhe fosse proporcionado um curso sobre os automóveis fabricados, sua mecânica e possíveis correções, sem nenhum custo para o aprendiz, o que, naquele momento fora declinado pelo mecânico.

Chico, o cinéfilo empreendedor

Decidir empreender uma sala de cinema numa sociedade pobre como a nossa em Nova Soure — a velha Natuba — era uma aventura sem tamanho. Mas ele o fez com maestria, alegria, amor e dedicação ao seu público.

Não havia sala de cinema formal. Todos os filmes foram exibidos por Chico de Agnelo lá no Mercado Municipal de Nova Soure, cedido pelo poder público para tal finalidade e em dias determinados. De certa forma, era um apoio, ainda que não declarado, ao movimento cultural do lugar, pouco aquecido, convenhamos.

E olha que nas sessões dos dias de domingo ele tinha que desarrumar tudo logo após a exibição dos filmes, pois a feira livre é na segunda-feira e o Mercado teria que estar livre para os feirantes no dia seguinte.

Quanta abnegação do Chico!

Os filmes eram alugados em Distribuidoras sediadas na Capital do Estado, provavelmente na Orient Filmes Distribuidora de Filmes Ltda, fundada pelo baiano Aquiles Mônaco. Inicialmente Chico ia buscá-los e, mais adiante, eram despachados na Empresa de ônibus intermunicipal que fazia linha de Salvador a Paulo Afonso.

A exibição se dava a partir de um Projetor, comprado de segunda mão, marca Keystone, 16 mm e, quando este apresentava defeitos o próprio Chico de Agnelo se encarregava de promover o seu reparo.

Todos íamos assistir aos filmes levando cada qual o seu assento. Às vezes pedíamos emprestado uma cadeira no Bar de “seu” Aurélio Gordo — O Jangadeiro — que ficava frontal ao Mercado. Um problema a ser enfrentado era se a película quebrasse durante a exibição e Chico demorasse de emendá-la, com durex, para recomeçar a exibição, pois ficaria muito tarde pra devolvermos a cadeira. Tínhamos que ir devolve-la, no horário assinado por “seu” Aurélio para não perdermos a confiança dele, e, num pé noutro, retornarmos pra assistir ao filme em pé mesmo.

Quantas saudades daqueles tempos, daquelas sessões de cinema!

Quantos sustos tomamos, os enamorados, quando terminava o carretel — só havia uma máquina de projeção no cinema de Chico —, sem aviso e as luzes todas acendiam e ficávamos, os casais de namorados, descabriados acaso ainda estivéssemos se deliciando com um longo beijo!

Obrigado Chico! Todos nós lhe devemos esta oportunidade de ter assistido filmes nos anos 60/70 do século passado, numa cidadezinha do sertão nordestino, pouco conhecida e de economia bem rudimentar. E você Chico, difundindo a cultura cinéfila sem visar somente lucro mas, querendo ou não, nos proporcionando a alegria e o aprendizado.

Quem lembra de ter assistido a um filme muito bom "A sombra do gato", dirigido por John Gilling e estrelado por o trio famoso do teatro inglês, Andrew Crawford, André Morell, Alan Wheatley e outros — trama: após presenciar a morte de sua estimada dona, um gato inofensivo se transforma em um vingativo assassino em busca dos culpados pelo desaparecimento de sua dona —? E "O dólar furado", com Giuliano Gemma e Ida Galli? E "O Belo Antonio", com Marcello Mastroianni e Claudia Cardinale? E “Assalto ao Trem Pagador" com Grande Otelo (Cachaça) e Ruth de Souza (Judith)? E "Boca de Ouro" com Jece Valadão e Odete Lara? 

Todos estes filmes e muitos outros, foram exibidos lá na nossa “sala de cinema” do Mercado Municipal.

Chico de Agnelo já não está mais conosco neste plano terreno. Fora chamado a exibir filmes no plano celestial e cuidar da mecânica dos veículos divinos, há bastante tempo, que agora não sei precisar.

Valeu Chico! Nós, os setentões da Natuba, lhe somos eternos devedores desta oportunidade ímpar.

Olha Chico, quando você estiver exibindo filmes pra São Pedro não se importe com os gritos característicos de Aurélio Retratista, — quando da exibição de películas em CinemaScope, que apareciam aquelas figuras humanas altas, magras, desproporcionais e ele tascava em alto e bom som "....belas figuras...."; tampouco se importe com as batidas insistentes, nas portas de ferro do Mercado, por aqueles que não tinham dinheiro para o ingresso e ficavam perturbando lá fora.

Aproveitando, lhe pedimos que leve nossos agradecimentos a “seu” Aurélio Gordo por nos ter emprestado as cadeiras do seu O Jangadeiro para que pudéssemos assistir às películas sentados.

E, finalmente, desfrute do lugar que o nosso Deus lhe reservou no Seu reino!

De um cinéfilo mambembe, da Natuba dos ano 70/80 do Século XX, grande admirador da sua coragem, inteligência e abnegação.

Meus respeitos Chico!!!

Tonho do Paiaiá - reminiscências do Cinema em Nova Soure Origem das imagens: Chico de Agnelo e Mercado Mercado Municipal - acervo das publicações no Facebook por José Oliveira (https://www.facebook.com/share/1BuPyVJk9R/) Veículo Internet: A história da DKW Vemag no Brasil (https://www.youtube.com/watch?v=gGUk9nYWKk4) Projetor: Internet, Anúncios