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  • Foto do escritorAntonio Mário Bastos

Sou do Paiaiá, no Soure, e você?!


Quando cheguei a Salvador, há meio século, vindo com o propósito de estudar e trabalhar – ou melhor, trabalhar e estudar, dado que o primeiro seria sustentáculo do segundo, obviamente.

De cara fui trabalhar no Palácio da Justiça da Bahia – o à época ainda jovem, Fórum Ruy Barbosa; completara maioridade bem recentemente, havia somente vinte e poucos anos de inaugurado – onde se achavam pessoas dos mais variados rincões da Bahia e quiçá do Brasil, quer ali trabalhando – magistrados, serventuários, advogados, partes, etc – quer em visita, principalmente de estudantes à cripta do maior jurista baiano o inigualável Ruy Barbosa.

Não era raro ter que ficar um bom pedaço de tempo explicando a minha origem, meu gentílico. A curiosidade[?!] era uma constante.

Quem seria aquele matuto magrelo?! de onde viera?!

Os colegas de trabalho, fornecedores, usuários do aparelho da Justiça, todos ou quase todos que se relacionavam comigo puxavam conversa, por conta daquele sotaque forte de pessoa de outro lugar.

Afinal, estávamos na Capital da Bahia e, por conseguinte, o sotaque de um interiorano ou um não soteropolitano era facilmente notado.

E era inevitável o perguntamento:

— de onde você é?

Não hesitava:

sou do Paiaiá, município do Soure.

Os questionamentos seguintes eram variados.

— onde diabos é que fica isso?!

O isso sempre vinha em tom meio que sarcástico, depreciativo, e, às vezes, com expressões de muxoxo, sem cerimônias mesmo.

— vassoura?!, alguns retornavam a pergunta em desvairado espanto!

— Não meu amigo; vassoura, no plural, é um município do Estado do Rio de Janeiro. [povoamento iniciado na parte final do século XVIII, localizado no Vale do Paraíba]

sou do Soure, e você? Respondia devolvendo a pergunta ao perguntador.

E lá me vinham outros interlocutores com mais desconhecimento da geografia baiana:

— soro?!

— Não, meu caro colega!, soro ou é uma substância medicamentosa ou um subproduto ou um extrato. Os mais conhecidos de nós o fisiológico, o antiofídico ou mesmo o derivado do leite utilizado no preparo da coalhada, manteiga e queijos.

E, complementava com explicações mais abrangentes:

— eu sou de São José do Paiaiá, município de Nova Soure, Bahia, Brasil — tá tudo escrito na minha certidão de nascimento; quer ver?, pode ir lá na Secção de Pessoal e pedir a Dona Hilda pra lhe mostrar.

Devolvia a pergunta ao perguntador:

— você já ouviu falar? Conhece? Respondia já meio que irritado com o desconhecimento daquela gente.

Procurando situar geograficamente cada desconhecedor, dizia:

— Soure fica daqui a 234 quilômetros no sentido leste norte em direção à cachoeira de Paulo Afonso, passando por Alagoinhas e outros pequenos municípios; é vizinho de Caldas de Cipó onde tem as águas termais e que foi, reconhecidamente, a primeira Estância Hidromineral da Bahia.

Alguns se contentavam com a resposta, agora já mais detalhada; outros demonstravam permanecer na ignorância geográfico-histórica; outros davam de ombros como se aquela resposta fosse irrelevante e uns poucos se diziam conhecedor da localidade:

— “já passei por lá quando ia pra Paulo Afonso, tem uma igreja bonita na praça....”

Desnecessário dizer que, pouco a pouco, fui fazendo ser o Soure conhecido da população trabalhadora da qual eu fazia parte.

Encontrei muitos amigos originários de cidades desconhecidas de mim e de muitos à época, mas, nem por isso, declarei minha ignorância pela geografia da Bahia.

Quando decidi frequentar um curso pré-vestibular aí é que vieram as indagações, os muxoxos, as gozações, etc. e tal.

E lá vinha a colocação

— “bicho” (era um linguajar corrente à época; uma forma de tratamento amigável entre os jovens) você não podia escolher um lugar mais fácil da gente conhecer não?! Esse tal Soure, esse tal Paiaiá, ficam onde mesmo?! Tá no mapa?! É na Bahia mesmo?! Ou você tá querendo mesmo é esconder que é sergipano?! Seu sotaque não engana, viu!, e tascavam a gíria de época: “não vem que não tem”!

Resisti a tudo isso.

Eu me dediquei a estudar. Era o meu sonho. Sonhei, acordei, consegui!

Ao cabo de mais meia dúzia de anos morando na Capital, consegui o meu primeiro diploma de nível superior – aos trancos e barrancos, às duras penas; mas consegui.

Da minha faixa de idade, à época, poucos filhos do Soure vieram para Salvador. Muitos foram para São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, etc., em busca de novas oportunidades. Outros vieram para cá, até mesmo antes de mim, a exemplo do meu cunhado Zé Hilto de Zecaria e de um irmão que tenho, por escolha, Toinho de Ariston.

A maioria de nós, vindos do Soure, morávamos em pensionatos; bem espalhados, diga-se de passagem. Às vezes nos reuníamos em finais de semana em Salvador, outras vezes no Soure. Lá o local de encontro, indefectivelmente, era o Bar de João de Abílio ou o chamado SPA da Rua do Sete ou SPA do Sargento – isso vai merecer uma crônica específica e dedicada aos grandes e memoráveis instantes que ali vivenciamos a alegria do encontro.

Éramos uma legião de rapazinhos, estudantes sonhadores e determinados a vencer na vida: todos nós vencemos; cada um a seu modo e ao seu merecer.

Tinha-se conhecimento de que alguns ilustrados filhos do Soure, oriundos de famílias ricas, negavam sua origem – talvez com receio de serem questionados, como eu fui, sobre que lugar seria aquele; talvez mesmo para se sentirem maiorais frente aos demais outros conterrâneos menos possuidores de riquezas materiais, etc., etc., etc.

Havia aqueles que, tentando esconder a sua verdadeira origem natalícia, se diziam filhos da Feira de Santana, outros de Alagoinhas e outros, pasmem, até de Ribeira do Pombal, mas nunca do velho e amado Soure.

Eu não neguei hora nenhuma, como até hoje não o faço!

Não me acovardei diante dos muxoxos, dos ti ti ti de mangação, dos deboches ou coisas que tais!

Não abdiquei do bordão: Sou do Soure. E você?!

Convivi com colegas e amigos que até me censuravam pela minha insistente declaração de amor ao Soure; a insistência de frisar ser filho daquele torrão, do meu querido Paiaiá – em vão, a censura!

Nada que, quem quer que fosse, tomasse como deboche sobre a minha origem me abalava. Pelo contrário, aquilo me fortificava; dava-me ânimo para prosseguir levando aos quatro ventos o nome do meu torrão natal. Isso não me incomodava; in absoluto, me alegrava!

Escrevi um texto sobre este mesmo tema, há algum tempo, atendendo ao pedido do administrador de uma página na rede social Facebook denominada Natuba Cultural, e o fiz com a maior alegria; até mesmo no intuito de encorajar a todos quantos estejam ou estivessem indecisos em declarar sua origem, seu gentílico.

Conclamo, pois: não recue, seja do lugar que você ama de verdade; de onde possa lhe acolher algum dia.

Não negue sua origem.


Sou do Paiaiá, lá do Soure. E você?!


Tonho do Paiaiá (tonhodopaiaia.org)

Antônio Mário Bastos, nascido no Povoado de São José do Paiaiá — o que só me faz ter orgulho

Informação: São José do Paiaiá, ou simplesmente Paiaiá, é um povoado que faz parte do Município de Nova Soure, Estado da Bahia, Brasil. Esta localidade é a sede da Biblioteca Maria das Neves Prado — conhecida como Biblioteca do Paiaiá @bibliotecadopaiaia — que conta com mais de cento e trinta mil títulos, desde livros, revistas jornais, periódicos e outras mídias, etc. e é considerada a maior biblioteca do mundo instalada no meio rural)

Arte:

1. Fórum Ruy Barbosa (imagem obtida na internet) data desconhecida

2. Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição – Nova Soure – Bahia, foto da década de 1960

3. Fachada da sede da Biblioteca do Paiaiá – foto obtida na página da biblioteca

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