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  • Foto do escritorAntonio Mário Bastos

Dano Moral Reparado

Pedro Cordoalha era um fazendeiro rico, embora tido como de hábitos boêmios era muito sério, pai amoroso, mas bastante rígido no trato com a prole e com os serviçais da sua fazenda.

O brejo da fazenda Pau de Cana estava necessitando de uma limpeza criteriosa e era hora de procurar algum trabalhador rural que fosse experiente nessa lida de limpar brejos.

Conversando, no dia da feira livre, com o seu compadre Camilo Escrivão, relatou sua necessidade e este lhe sugeriu:

— compadre, procure Zé Rolinha, é bom de serviços e já me trabalhou lá no brejo da fazenda Estiva. Gostei dos feitios dele.

— pois bem compadre, vou mandar meu filho Zezinho ir procurar esse rapaz. Se o compadre indicou é porque o cabra é bom de serviço mesmo. Bem sei eu quanto o compadre é criterioso com trabalhador e sei que sabe dar valor a quem tem.

O trabalhador rural Zé Rolinha era uma pessoa muito querida de todos. Ainda menino, foi acometido de uma enfermidade que lhe custou a incapacitação parcial de um dos membros superiores — o seu braço direito era bem menor que o esquerdo e não tinha a mesma força do outro — mas nada que lhe atrapalhasse na lida de limpar brejos. Era um dos melhores do lugar nessa façanha, assim diziam.

— Boa tarde seu Pedo, o sinhô mandou me chamar, num foi?! Aqui tô eu pra ouvir vamicê e lhe seuvir no que tivé no meu arcance.

— José eu preciso limpar um brejo de umas duas tarefas e meia, lá no Pau de Cana que você bem conhece, e o compadre Camilo me disse que você tem muita experiência nisso. Você pode me dar três dias de serviço na semana que vem?

— Bem seu Pedo, esta semana que vai começar já tenho compromisso com o povo lá da Quixaba, mas é só dois dias. Se o sinhô puder esperar pra quinta-feira em diante eu posso ir fazer seu serviço.

Agora, seu Pedo, como eu hoje tô sem dinheiro pra fazer a feira, o sinhô me adiante aí dois dias, pelo menos eu compro alguma coisa pra minha sustança e trabalhar melhor.

— Tá bem, José. A como é o seu dia?

— Seu Pedo o sinhô mesmo sabe que limpar brejo num é coisa pra cabra mole não e todo mundo aqui cobra mais que um dia de trabalho comum. Eu cobro o valor de dia e meio de trabalho de limpeza de pasto.

— Então tome aqui o valor dos dois dias e me apareça lá na quinta-feira que eu estou lhe esperando. Vou mandar Zé Bedeu ir coivarando para queimar depois do serviço pronto.

No dia combinado, o fazendeiro e seu ajudante estavam no brejo aguardando a chegada de Zé Rolinha — levou até um cuscuz como prenda ao trabalhador, sabia que essa gente por vezes passa necessidade e fazia refeição só duas vezes no dia e olhe lá.

Findou a semana e nada do trabalhador contratado para ocasião aparecer para fazer o serviço.

Na segunda-feira, o fazendeiro encontra Zé Rolinha no açougue municipal mandando fazer um peso de carne para sua comida durante a semana e, se dirigindo a ele, bradou grosseiramente para que todos ouvissem:

— Zé Rolinha, cabra sem vergonha, você pegou meu dinheiro adiantado e não foi fazer meu serviço não é?! Você é um vagabundo. Não quero mais que você vá me trabalhar; devolva meu dinheiro.

Zé Rolinha não saiu do lugar em que estava; comprando carne estava e comprando carne ficou. Levantou a vista e notou que as pessoas estavam lhe olhando; algumas com olhar de piedade outras com olhar de reprovação. Até o marchante que lhe atendia balançou a cabeça em tom de desaprovação àquilo tudo.

— Apois seu Pedo, intonse num vou lhe devolver dinheiro ninhum não, viu! O sinhô sabe lá o que é chamar um homem de bem como eu de vagabundo?!

Tá pago, seu Pedo, tá pago.

Conta-se que o episódio se encerrou ali mesmo. Ficou o dito pelo não dito.

Pedro Cordoalha não recebeu o dinheiro de volta, afinal o xingamento que dirigiu a Zé Rolinha foi grave e merecia uma reparação pelo dano moral por este sofrido.

Assim foi feito!

Tonho do Paiaiá

tonhodopaiaia.org

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