Adeus, Zé Preto de Gutinha, vaqueiro de verdade

A morte despe-nos dos nossos bens para nos vestir das nossas obras.

Jules Petti-Senn (Jean Antoine Petit-Senn, poeta lírico franco-suíço, 1792 — 1870)

Hoje fui surpreendido com a notícia da morte material de Zé Preto de Gutinha, um amigo velho, bom companheiro de cavalgadas, orientador de montaria, “fazedor” de animais para montaria e coisas que tais.

Participamos de muitas cavalgadas, para um montão de lugares, e, privamos da sua companhia sempre solícita e saudável: ora arreando animais; ora os levando para o coxo da bebida nas paradas de descanso deles ou para orgia dos humanos;

ora sugerindo qual animal mais se adequava para aquela cavalgada escolhida, dado a quilometragem a ser percorrida; ora experimentando a capacidade dos arreios, nos casos, por exemplo, de pessoas de peso mais avantajado, como sói ocorrer comigo.

Zé Preto de Gutinha, era bastante conhecido na nossa velha Natuba — afinal nonagenário no primeiro terço da contagem —, principalmente pela sua expertise em montaria e em “fazer” animais quer fossem equídeos, muares ou asininos, para montaria de lazer e de trabalho, e, pela sua maestria na lida de vaqueiro e de pega de gado caatinga adentro.

Vestia-se bem a caráter na sua lida frente a pega de gado, notadamente quando se tratava de animais de vivência pouco amistosa com o ser humano, tais como bois soltos no tabuleiro e sem cuidados anteriores que o fizessem obedecer aos comandos dos seus cuidadores.

Mas, de outra forma o conhecíamos por alguns dos seus cacoetes e “tiradas” filosóficas, bem característicos:

— ih ih ih ih ih .... lhe digo: não é assim que se monta em animal que ainda não se conhece....

Diálogo entre amigos, num determinado ponto, pode ter sido até mesmo no Parque Moreirão, não afirmo, mas digamos que o fora.

— Zé Preto, você soube, Dr João das Moedas morreu ontem, no hospital em Salvador. Tá vendo aí que rico também morre?

E Zé Preto, do alto da sua sabedoria popular, retruca com uma das suas “tiradas” filosóficas

— ...... mais demora! (fala original)

Esse “mais demora” era uma referência a que, quem tem dinheiro, quem é rico, morre também, mas demora de morrer, isto porque pode se valer de cuidados médicos de excelência e melhor do que aqueles desprovidos de riqueza material e capacidade de pagamento.

Bem, fico somente nestas duas lembranças, de muitas outras, para não cansar o leitor.

Mas, como bem vaticinou o poeta romano Ovídio (Públio Ovídio Naso, 43 a.C — 17 ou 18 d. C), “Tudo em nós é mortal, menos os bens do espírito e da inteligência”, morre hoje a matéria, o corpo, do nosso amigo Zé Preto de Gutinha; permanecem vivos os bens do seu espírito e da sua inteligência que gozara em terra, quer nas suas “tiradas” filosóficas, quer na prestatividade para com seus amigos e chegados, quer na maestria da sua lida com os animais.

Aos seus familiares, meus sentimentos e demonstração de apreço por este velho e querido amigo, rogando a Deus que acolha a sua alma com bondade, perdão e misericórdia; aos seus amigos e chegados, peço uma oração em favor de sua alma e que saibamos superar o vácuo deixado pela ida dele ao lugar determinado pelo Pai Maior e guardarmos as lembranças dos vários momentos vividos com alegria e benquerença.

Tonho do Paiaiá (Antonio Mário)

tonhodopaiaia.org

@tonhodopaiaia

De Munique, Alemanha, para a minha velha e querida Natuba dos Quiriris, 18 de julho de 2024.